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segunda-feira, 27 de junho de 2011

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Afeganistão: Calculando o que a ocupação fez às mulheres 

Recentes relatos de grupos de direitos humanos e de responsáveis afegãos indicam que a violência contra as mulheres no Afeganistão está em ascensão e que essa tem sido a tendência desde o início da ocupação do Afeganistão pelos EUA e outros países da NATO.
Um relatório publicado em Abril de 2009 pela organização de direitos das mulheres Womankind diz que 80 por cento das mulheres afegãs são vítimas de violência doméstica. Outros relatórios põem esse número em até 87 por cento. A ministra afegã para as questões da mulher, Hassan-Banu Ghazanfar, disse recentemente que chega aos 90 por cento.
O dia 25 de Novembro foi o Dia Internacional para a Erradicação da Violência Contra as Mulheres. Essa violência é global e não específica das mulheres afegãs. No mundo em geral, a grande maioria das mulheres enfrenta uma violência grave sob uma ou outra forma durante a sua vida. Os factos sobre a violência contra as mulheres, mesmo nos países mais desenvolvidos, são chocantes. As violações, os abusos físicos e sexuais pelos maridos ou namorados, o assédio ou pior nos locais de trabalho, o tráfico de mulheres e a escravidão sexual são apenas algumas das formas de violência contra as mulheres. Estes factos sugerem que não é apenas um resquício do passado mas que o mundo capitalista, mesmo na sua fase mais desenvolvida, é uma fonte de opressão, discriminação e violência contra as mulheres.

Durante os protestos de cerca de 300 mulheres afegãs a 15 de Abril de 2009 contra a Lei da Família, elas foram cercadas e apedrejadas por cerca de 1000 homens afegãos (Foto: Musadeq Sadeq/Associated Press)
Assim, não há um único país do mundo dominado pelo imperialismo onde as mulheres escapem à opressão e à violência. Este artigo centra-se no Afeganistão não só porque essas mulheres têm sofrido uma severa opressão sob os vários regimes fundamentalistas das últimas três décadas, e não só porque o nível de violência e outras formas de opressão é tão extremo, mas também porque as potências imperialistas ocuparam o país com o pretexto de libertarem as mulheres afegãs. Os seus representantes políticos ainda alegam descaradamente que, independentemente de tudo o resto que possa ter corrido mal nos seus planos, pelo menos isso é um grande feito deles. Agora, após nove anos de ocupação, estamos em condições de medir os resultados dessa pretensa libertação pelos ocupantes imperialistas.
Muitos dos relatos e investigações publicadas sobre a violência contra as mulheres no Afeganistão citam espancamentos, assédio, casamentos forçados, violações e a proibição das mulheres irem aos hospitais ou à escola, forçá-las a fazerem trabalhos difíceis, afastar os filhos para longe delas e impedi-las de terem qualquer voz na família e nas questões sociais.
Segundo o relatório acima referido da Womankind, 60 por cento dos casamentos no Afeganistão são forçados. E quase 57 por cento das meninas são forçados a casar antes de fazerem 16 anos.

Mulheres afegãs pedem comida
A situação é particularmente grave nas zonas controladas pelos talibãs, onde são praticados castigos públicos por desobediência ao sistema patriarcal. Segundo o serviço em persa da BBC, em Agosto, na província de Badghais, no noroeste do Afeganistão, «uma viúva de 48 anos, cujo marido tinha sido morto alguns anos antes e que ficou grávida de outro homem, foi acusada de relação ilícita e condenada a 200 chicotadas seguidas de morte. A pena de morte foi executada por um comandante talibã que disparou sobre ela em público. Segundo um responsável policial de Badghais, o outro homem tinha prometido casar com ela. Segundo o mesmo relatório, esse homem também foi preso mas foi libertado depois de pagar uma multa aos talibãs.»
A 16 de Agosto, a Amnistia Internacional confirmou que, na província nordeste de Kunduz, um casal foi apedrejado até à morte numa aldeia sob controlo talibã. O jovem casal tinha sido acusado de fugir por os seus pais se terem oposto ao casamento deles.
No Verão passado, uma fotografia na capa da revista Time revelava quão horrenda pode ser a situação. Na província de Oruzgan, os talibãs acusaram uma jovem de18 anos chamada Ayesha de ter abandonado o marido e condenaram-na a ghesas (um castigo islâmico que significa cortar uma parte do corpo). Essa sentença foi executada pelo marido dela, um combatente talibã que lhe cortou as orelhas e o nariz e os abandonou numa zona montanhosa.
A comunicação social oficial ocidental tem usado este tipo de notícias e tem destacado sobretudo o crime contra Ayesha para alegar que os talibãs são a fonte da violência contra as mulheres no Afeganistão. Isto é uma tentativa de justificar a ocupação. E, mais que outra coisa, tem sido usado para contrariar a opinião pública nos EUA que é favorável a uma retirada norte-americana. A fotografia de Ayesha na revista Time estava acompanhada pela seguinte mensagem na manchete: «Isto era o que aconteceria se saíssemos do Afeganistão».

Mulher afegã vítima de ataque com ácido
Agora, Ayesha foi transferida para os EUA para fazer uma cirurgia plástica de reconstrução do nariz e das orelhas. Mas o problema é que os talibãs não são a única força que apoia e executa a violência contra as mulheres. Há milhares de Ayeshas nas zonas sob controlo dos talibãs, mas também nas zonas sob o controlo dos ocupantes, que perderam partes do seu corpo ou as suas vidas. Mesmo que ainda estejam vivas, a sua verdadeira vida foi-lhes roubada.
Esta propaganda da guerra imperialista pode conseguir enganar algumas pessoas no estrangeiro, mas não pode de forma nenhuma justificar a ocupação aos olhos da maioria das pessoas no Afeganistão, que também têm vivido a brutal violência dos EUA e dos outros ocupantes, não só contra as mulheres mas também contra as crianças, os velhos e toda a população. A verdade é que os imperialistas dificilmente podem esconder do mundo inteiro o sangue que têm nas suas mãos devido à violência contra milhões de pessoas, incluindo e particularmente as mulheres do Afeganistão. Nada disto pode ser lavado com uma cirurgia plástica a Ayesha.
Um outro relatório esclarece indirectamente a situação das mulheres sob a ocupação liderada pelos EUA. «Novas investigações no Afeganistão mostram que está a aumentar o número de mulheres que cometem suicídio nesse país. As jovens que cometem suicídio lançando fogo a si próprias pareciam ser inicialmente um problema da província de Herat e de parte de Qandahar e Nimrooz, mas agora espalharam-se à maioria das províncias e sobretudo às províncias do norte e leste do Afeganistão. Faiz Mohammad Kaker, conselheiro de Karazi para a higiene e saúde, disse numa conferência de imprensa que 90 por cento desses suicídios se devem a depressão ou problemas mentais. Também referiu que o número de mulheres que sofrem de depressão grave é 28 por cento, que é um número muito elevado. Disse que todos os anos cerca de 2300 meninas e mulheres afegãs entre os 15 e 40 anos que sofrem de depressão cometem suicídio.» (Serviço em persa da BBC, 31 de Julho de 2010)

Mulher afegã vítima de violação e agressão
Porque é que a depressão e os problemas mentais estão tão generalizados entre as mulheres e são tão graves que as têm levado a cometerem tantos suicídios? Será que é outra coisa que não o tipo de vida a que essas mulheres são sujeitas? Mesmo Kaker não tentou sequer esconder isso, ou melhor, não o podia esconder. Disse: «A continuação da guerra civil e da violência no Afeganistão, as deslocações forçadas, os casamentos precoces, os casamentos forçados, a violação, a violência doméstica e a pobreza generalizada são as causas dos problemas mentais e da depressão no Afeganistão.»
Um fenómeno novo no Afeganistão é o número de mulheres que consomem drogas, o qual está a crescer. Segundo os números divulgados pela Comissão de Direitos Humanos do Afeganistão, mais de 120 mil mulheres consumem agora drogas, em particular ópio.
Porque é que o número de mulheres viciadas em droga e suicidas está a aumentar? Não será porque a pobreza e a violência contra elas estão a aumentar? Será que isso não quer dizer que os EUA e outros países imperialistas tornaram a situação ainda pior para as mulheres?
Não há dúvida nenhuma que as mulheres sofriam de uma forma quase inacreditável quando os talibãs e outros grupos fundamentalistas islâmicos estavam no poder. Mas não será verdade que a ocupação tornou a situação ainda mais complicada para as mulheres? Não veio aumentar os problemas e vidas difíceis das mulheres do Afeganistão, tal como a ocupação liderada pelos EUA indiscutivelmente o tem feito no Iraque? Os relatos e números disponíveis, e mesmo as investigações feitas por forças pró-imperialistas e por responsáveis do governo Karzai, tudo isto sugere que sim.

Mulher afegã com o corpo totalmente queimado
E sabemos que os números estão longe de ser completos. Não estamos a falar da violência dos bombardeamentos aéreos nem das rusgas nocturnas, nem das mortes fortuitas causadas pelos soldados ocupantes. Em tudo isto, tal como na vida familiar, as mulheres são as principais vítimas.
Os imperialistas ocidentais são responsáveis por isto. Nos anos 80, apoiaram, treinaram e financiaram os fundamentalistas islâmicos para os usarem na sua disputa global com o bloco imperialista soviético seu rival. Apoiaram esses fundamentalistas islâmicos quando eles tomaram o poder após os soviéticos terem sido expulsos. O Ocidente escolheu continuar calado durante as duas décadas seguintes, enquanto os seus aliados afegãos cometiam atrocidades contra as mulheres. Quando os talibãs lutaram pela tomada do poder para escravizarem as mulheres, houve muitos relatos de os EUA estarem envolvidos no seu apoio através dos ISI, os serviços secretos paquistaneses. E depois, quando os EUA decidiram combater os talibãs, foi uma vez mais o povo do Afeganistão e sobretudo as mulheres que tiveram que pagar por isso.
A única forma de os EUA poderem tentar parecer bem no Afeganistão é tentando comparar a actual situação das mulheres em certas zonas com a que existia ou continua a existir sob os talibãs. Isto é, em si mesmo, uma admissão implícita de quão horrível é a situação das mulheres em todo o país. Porém, mesmo nesta indigna comparação, não é claro quem sai «vencedor».
O que os EUA e o governo Karzai que eles aí instalaram salientam como o seu grande feito é terem aberto escolas para meninas e permitido que as mulheres trabalhassem. Algumas mulheres trabalham como funcionárias públicas ou membros do parlamento e mesmo um punhado delas como polícias. Tudo isto era proibido pelos talibãs.

Mas o Afeganistão é uma república islâmica onde a sharia (a lei religiosa) tem precedência desde que a sua actual constituição foi aprovada para dar uma cobertura religiosa à ocupação. O regime de Karzai aprovou leis do casamento e da família inspiradas na shariaque dão aos homens o direito a impedir as suas esposas de saírem de casa. É ilegal uma mulher não ceder às exigências sexuais do marido. O hábito do governo de Karzai de libertar homens encarcerados por terem cometido violações em grupo é tão notório que até provocou um protesto das Nações Unidas. Numa entrevista ao serviço em persa da BBC, Sima Samar, actual dirigente da Comissão Independente de Direitos Humanos do Afeganistão, declarou: «As instituições governamentais são um sério obstáculo aos direitos das mulheres no Afeganistão».
Mas os EUA e os outros imperialistas ocidentais não se ficam por aqui na punição das mulheres afegãs. Agora que decidiram iniciar negociações com os talibãs, podemos estar certos que qualquer aparência de «direitos» das mulheres que ainda possa existir será vendida se os EUA puderem obter alguma «solução política» para a sua guerra falhada. Este rumo dos acontecimentos tem sido denunciado antecipadamente pelos vários grupos de direitos das mulheres que operam sob a ocupação.
A lição que se pode retirar disto é que nenhum imperialista nem nenhuma outra força reaccionária podem libertar as mulheres; eles são os principais opressores dos povos do mundo, incluindo as mulheres. A libertação das mulheres do Afeganistão foi apenas um pretexto para a invasão em defesa dos seus próprios interesses imperialistas.
Mulher afegã chora a morte de um familiar assassinado num ataque aéreo da coligação invasora em Agosto de 2008,

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